Um embate entre a mídia tradicional brasileira e as grandes multinacionais que dominam as comunicações no mundo virtual está se desenhando. O oligopólio formado pelos quatro principais grupos nacionais, sempre refratários à regulamentação dos meios de comunicação em nosso país, tem defendido, de forma contraditória, que haja maior controle sobre o funcionamento das mídias sociais -- que crescem de forma avassaladora.
Em um fenômeno parecido ao que antecedeu a regulação da TV a cabo, defendida, por exemplo, pela Rede Globo, apenas para evitar a concorrência na área da produção de conteúdo, os barões da mídia nacional se vêem ameaçados pela penetração da concorrência externa, representada por empresas estrangeiras como Google, Youtube e Facebook.
Habituada a perseguir a persistente e corajosa mídia alternativa, a poderosa mídia brasileira percebe que vencer as gigantes de fora na guerra pela verba publicitária será tarefa complicada. Para se ter uma idéia do avanço das multinacionais estrangeiras, neste ano, o Google deverá faturar R$ 2,5 bilhões, tornando-se o segundo maior faturamento do país, atrás apenas da Rede Globo, mas já na frente do grupo Abril.
O fato de a revelação da espionagem praticada pelo governo norte-americano ter partido do jornal O Globo, que publicou uma série de matérias sobre o vazamento de informações feito pelo ex-técnico da NSA Edward Snowden, situa a guerra de que estamos falando.
Além do furo jornalístico, o jornal tinha o interesse de mostrar o suposto risco da enorme popularidade entre os brasileiros das redes sociais controladas por grupos com sede em outros países, como o Google e o Facebook.
Também recentemente, a Globo denunciou práticas do Google de recorrer a empresas abertas em paraísos fiscais para não pagar impostos -- não divulgou por bom mocismo, é claro. Curiosamente, como veio a público em seguida, a própria Globo também se valeu desse subterfúgio.
É inegável que o avanço das redes sociais e das novas mídias digitais suscita a necessidade de instrumentos de controle e de uma legislação adequada, que impeçam a formação de cartéis e oligopólios na internet. O risco de redes sociais monopolistas existe e não é, em hipótese alguma, desejável. Porém, não se deve esquecer o papel relevante que elas vêm executando ao romper com o pensamento único que dominou os grupos nacionais nos últimos anos.
Portanto, para conter o impulso monopolista das redes sociais, sem negar sua importância, é necessário aprofundar a discussão e buscar ferramentas de proteção, lembrando que deverá prevalecer o interesse do público e não o das concorrentes nacionais que, embora perdendo espaço, ainda reinam sobre o vasto império construído ao longo das últimas décadas.
A aprovação do Marco Civil da Internet é um passo inadiável, pois estabelecerá os princípios para o uso da internet no Brasil e poderá garantir o respeito ao sigilo das comunicações, a preservação da privacidade, a liberdade de expressão e a neutralidade na rede.
Mas o futuro das comunicações no Brasil dependerá também de um marco regulatório para os meios tradicionais e da dissolução da absurda concentração que domina a radiodifusão atualmente. Sem contradições e hipocrisias e submetendo empresas nacionais e estrangeiras a regras claras, teremos mais chances de avançar na construção de comunicações mais plurais e democráticas.
José Dirceu
Advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT.